segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Geléia

Cláudia desliga o computador, pega a bolsa, apaga a luz e entra no elevador. Encontra alguns colegas, fala sobre o tempo, a família, o Natal, que está aí.
Entrando no carro, puxa o espelho retrovisor, passa um batom cor de boca, repara nas olheiras, remexe na bolsa, recoloca o espelho na posição correta e liga o rádio.
Estaciona no supermercado e ao descer do carro, esfrega as mãos no vestido, tentando em vão desamassá-lo. Tira papel e caneta da bolsa e começa a passear entre as prateleiras apoiada no carrinho, como se ele é que a levasse.
Risca o papel. Queijo, peito de peru, pão light.
Pega um pote de geléia diet e o analisa cuidadosamente. 30 kcal por 10g (1 colher de chá). Continua parada calculando. Levanta a cabeça, volta a cabeça pra a geléia e num movimento rápido, levanta a cabeça novamente. Joga a geléia no carrinho, vira para o lado oposto, caminha rápido. Pára e pega qualquer coisa que está em uma prateleira baixa. Fica agachada por alguns segundos, olha para os dois lados e levanta. Morde o lábio inferior. E num gesto quase automático de esticar e dobrar o braço, joga coisas no carrinho sem olhar. Geléia de morango, geléia de figo, geléia de goiaba, geléia de abóbora, geléia de abóbora com coco.
Procura uma direção. Vira-se para outra prateleira, rói uma unha. Caminha rápido de novo, focando os caixas.
Filas. Vai em direção à saída mas volta. Entra em uma das filas e fica de cabeça baixa, olhando para as geléias. As mãos estão suadas e trêmulas. Sente uma mão no ombro. Os joelhos dobram-se sutilmente como se as pernas não lhe quisessem mais obedecer, ao que ouve:
− Oi Claudinha.
− Marcelo, você? Que coincidência, chegou agora? Como é que vai a vida? Eu estou ótima, saindo do trabalho, correria como sempre, sabe como é, né? Ah, por sinal, tem uma calça tua lá em casa, te mando por boy? Bom, preciso ir, estou com pressa, correria, já disse, né? Tchauzinho, bom te ver, até mais.
E o Marcelo permanece na fila. O carrinho da Cláudia também.