Não suporto vinho suave. Além de ser intragável, ocupar espaço nas vinícolas e atrair um excesso de paulistas para a nossa serra, me traz lembranças com as quais não lido nada bem. Não são de ressaca, não. Eu era muito nova pra essas coisas na época. Tinha uns seis anos, talvez sete. Nem todas as cores da cena devem estar muito corretas na memória, mas a essência tenho bem clara. Estávamos em Araçoiaba da Serra, SP, eu e minha mãe. O que diabos faz uma criatura nesse fim de mundo? Bom, eu fui me divertir com patos, vaquinhas, coelhos, cachorros, mato, enfim. Já a minha mãe foi me levar pra me divertir com patos, vaquinhas, mato, enfim. Ela fazia muito disso por mim. Não é que desgostasse desse tipo de programa, mas imagino que, sozinha, não fosse parar naquele lugar. Ao menos, não em janeiro.
Era dia vinte e sete. Tão pequena, não consegui encontrar um bolo e muito menos velinhas pra botar em cima. Fui então ao restaurante do hotel e pedi um vinho suave, esclarecendo que o dia era especial e que não poderiam pedir autorização, já que se tratava de uma surpresa. Cheguei no quarto com o vinho atrás das costas e um sorriso maroto que se desmanchou fácil. Fiquei atônita. Me deparei com as mãos da minha mãe a cobrir os olhos. Chorava alto. Permaneci olhando, parada, sem saber o que fazer. Ela antecipou que não era nada. Eu, assustada, não consegui abraçá-la. Tirando o vinho da retaguarda, balbuciei:
− Ó, mãe. Por favor, não chora. Por favor.
Ela chorou mais.
Fico aqui pensando se a cena teria sido muito diferente se eu tivesse vinte e cinco ou quarenta e cinco, e não cinco. Porque creio que o vinho na minha mão, possa ser a bicicleta na mão de algum pai, a cuca na mão de uma avó, as flores de um namorado, a roupa lavada em cima da cama. Não que tudo isso não seja bom e válido, mas carinho mesmo tem som, tem tato e precisamos desse acalanto para nos reconhecermos como vivos, reais, amados.
Sabe, dizem que vivemos a era do eu, do individualismo. Mas, por outro lado, vejo que existe uma vontade tão grande de conhecer o outro, de estar perto, de ser o outro, quem sabe. Estão aí os reality shows, que não me deixam mentir. Penso que talvez o problema seja outro. Mesmo no país do jeitinho: falta jeito.
Desaprendemos. Nos amedrontamos. Nos tornamos secos. Não sabemos mais como dizer as coisas, os olhares já não se encontram. Colocamos limites altos no toque, abraçamos de longe, damos duas encostadas de bochecha ou um leve aceno já serve? Queremos o outro, mas o outro se tornou um cristal fino que manejamos desajeitadamente. Ou que pior, com medo de quebrá-lo, simplesmente apreciamos de longe.
Pensando bem, um brinde aos vinhos suaves, era deles que minha mãe gostava. E enquanto a nossa capacidade não permitir que sejamos melhores, ao menos eles saberão ser doces.
Era dia vinte e sete. Tão pequena, não consegui encontrar um bolo e muito menos velinhas pra botar em cima. Fui então ao restaurante do hotel e pedi um vinho suave, esclarecendo que o dia era especial e que não poderiam pedir autorização, já que se tratava de uma surpresa. Cheguei no quarto com o vinho atrás das costas e um sorriso maroto que se desmanchou fácil. Fiquei atônita. Me deparei com as mãos da minha mãe a cobrir os olhos. Chorava alto. Permaneci olhando, parada, sem saber o que fazer. Ela antecipou que não era nada. Eu, assustada, não consegui abraçá-la. Tirando o vinho da retaguarda, balbuciei:
− Ó, mãe. Por favor, não chora. Por favor.
Ela chorou mais.
Fico aqui pensando se a cena teria sido muito diferente se eu tivesse vinte e cinco ou quarenta e cinco, e não cinco. Porque creio que o vinho na minha mão, possa ser a bicicleta na mão de algum pai, a cuca na mão de uma avó, as flores de um namorado, a roupa lavada em cima da cama. Não que tudo isso não seja bom e válido, mas carinho mesmo tem som, tem tato e precisamos desse acalanto para nos reconhecermos como vivos, reais, amados.
Sabe, dizem que vivemos a era do eu, do individualismo. Mas, por outro lado, vejo que existe uma vontade tão grande de conhecer o outro, de estar perto, de ser o outro, quem sabe. Estão aí os reality shows, que não me deixam mentir. Penso que talvez o problema seja outro. Mesmo no país do jeitinho: falta jeito.
Desaprendemos. Nos amedrontamos. Nos tornamos secos. Não sabemos mais como dizer as coisas, os olhares já não se encontram. Colocamos limites altos no toque, abraçamos de longe, damos duas encostadas de bochecha ou um leve aceno já serve? Queremos o outro, mas o outro se tornou um cristal fino que manejamos desajeitadamente. Ou que pior, com medo de quebrá-lo, simplesmente apreciamos de longe.
Pensando bem, um brinde aos vinhos suaves, era deles que minha mãe gostava. E enquanto a nossa capacidade não permitir que sejamos melhores, ao menos eles saberão ser doces.