terça-feira, 12 de agosto de 2008

Estimação

Animais de estimação devem ser abolidos. Calma, não é que eu os odeie, veja bem, pelo contrário. Mas creio que nos últimos tempos, não andemos merecedores de carregar a palavra “estima” em nosso título de donos. (Não sei se fomos em algum tempo). Pecamos demais, pelo excesso ou pela falta.
Há um problema freqüente nesta relação homem-mascote: os excrementos. Outro dia, sentada no meu terraço, ouvia um vizinho do prédio ao lado gritar enfaticamente (imagino e espero eu que fosse com seu cão): “Faz cocô ! Faz cocô!”. Depois de alguns minutos de silêncio, de novo: ”tu não fez cocô? Faz cocô agora!”. O cão, estúpido, não deve ter encontrado ainda o seu botão de “eject”. Assisti a esse problema a vida toda. É síndico reclamando que o gato do 302 fez no corredor, é vizinha dizendo que o xixi do quarto andar não era da Tchully (o dela era mais amarelo), é criança devolvendo cachorro porque ele não aprende a fazer na hora certa, é bicho morrendo envenenado porque defecou na grama da casa ao lado. Parece que este é mesmo um grande problema. Dos donos.
Você já reparou na explosão, pelo menos aqui no sul, de raças como o shi-tzu, o lhasa apso, o chow chow, o akita? Ok, você não entende patavinas de raça de cachorro, mas deve ter reparado que há por aí uma grande quantidade de pêlos ambulantes. Já deve ter percebido então como ninguém pensa no animal antes de escolher a raça. Pensam, é claro, em desfilar com seus lindos felpudos pelos parques, mas não lembram que no Tibet, no Japão e na China, as temperaturas nos parques não atingem as marcas desérticas do verão porto-alegrense. (Se atingem, os orientais devem também entrar para a lista negra. Junto comigo, que tive três Yorkshires).
Tantas outras coisas sustentam a abolição. Por exemplo, o fato de certas pessoas chamarem passarinho de bicho de estimação. Que tipo de estima se pode ter por uma criatura a qual se assiste morrer sem que tenha feito absolutamente nada na vida, além de andar de um poleiro a outro? E os peixes? Mesmo caso! Certa vez um amigo, (não lembro de tê-lo chamado assim depois deste episódio), me contou que simplesmente esqueceu o seu jabuti na gaveta. Só lembrou quando começou a feder. Pode? Pois é. E essa agora dos passeadores de cachorro? Este fenômeno é sensacional. Não tenho tempo pra ter amigos, compro um cachorro. Não tenho tempo pro cachorro, contrato um passeador. Os passeadores que se cuidem, são os próximos da lista.
Quando não é isso, é o contrário. É o comportamento tresloucado de senhoras a vestirem os seus animais com chapéus e sapatos e levá-los a spas, para desestressarem em ofurôs com pétalas de rosa. Em seguida, a homeopatas, terapeutas florais, psicanalistas, ortodontistas, para colocar aparelho. Esses dias, chamei um senhor para colocar o ar-condicionado aqui em casa. Eu já me sentindo culpada por contribuir para o aquecimento global, sabe o que o homem me diz? Que tinha acabado de instalar um split na casinha de um cachorro. Juro por Deus! (É o que eu digo, primeiro trazem praticamente uma rena pra cá, depois isso.)
Olha, eu amo os bichos. Mesmo, como se todos fossem meus. Sou do tipo chata, que pára dono na rua pra fazer carinho em cachorro e carroceiro pra parar de bater em cavalo. Mas vejo que não precisamos deles, e sim de terapeutas, filhos, namorados, aparelhos de som, robôs, talvez. Por isso digo, os animais de estimação devem ser abolidos. Lei a ser restaurada no dia em que aprendermos a estimá-los de fato, deixando de humanizá-los ou coisificá-los, tratando-os pelo que são.